No Antigo Testamento, vemos grande respeito notável no sepultamento dos homens de Deus, como Abraão (cf. Gn 25,9s), Jacó (cf. Gn 50, 12s), José (cf. Gn 50, 24-26; Ex. 14, 19), Davi (cf. 1Rs 2,10)… Ora, isto mostra um respeito profundo pelos restos mortais das pessoas. Era considerado grande caridade sepultar os mortos. Tobit os sepultava até correndo risco de morte:
“Quando o rei Senaquerib, fugindo da Judéia ao castigo com que Deus o ferira por suas blasfêmias, mandou assassinar, na sua ira, um grande número de israelitas, Tobit sepultou os seus cadáveres. (Tb 1, 21)”.
“Quando o sol se pôs, ele foi e o sepultou. Seus vizinhos criticavam-no unanimemente. Já uma vez ordenaram que te matassem, precisamente por isso, e mal escapaste dessa sentença de morte, recomeças a enterrar os cadáveres! Mas Tobit temia mais a Deus que ao rei, e continuava a levar para a sua casa os corpos daqueles que eram assassinados, onde os escondia e os sepultava durante a noite. (Tb 2,3-9)”.
A Bíblia mostra também como Deus, mediante o manto de Elias, se dignou realizar um milagre: Eliseu, ferindo as águas do Jordão com essa relíquia do grande profeta, conseguiu separá-las em duas bandas:
“Apanhou o manto que Elias deixara cair, e voltando até o Jordão, parou à beira do rio. Tomou o manto que Elias deixara cair, feriu com ele as águas, dizendo: Onde está o Senhor, o Deus de Elias? Onde está ele? Tendo ferido as águas, estas separaram-se para um e outro lado, e Eliseu passou.” (2Rs 2,14)
Lemos também que os ossos de Eliseu, postos em contato com um cadáver, tornaram-se instrumentos para a ressurreição do mesmo:
“Eliseu morreu e foi sepultado. Guerrilheiros moabitas faziam cada ano incursões na terra. Ora, aconteceu que um grupo de pessoas, estando a enterrar um homem, viu uma turma desses guerrilheiros e jogou o cadáver no túmulo de Eliseu. O morto, ao tocar os ossos de Eliseu, voltou à vida, e pôs-se de pé.” ( 2Rs 13,21).
No Novo Testamento há também muitas passagens que dão base sólida à veneração das relíquias. Nos Atos dos Apóstolos São Lucas narra milagres e exorcismos ocorridos com relíquias de São Paulo ainda em vida:
“Deus realizava milagres extraordinários por intermédio de Paulo, de modo que lenços e outros panos que haviam tocado o seu corpo, eram aplicados aos doentes; então afastavam-se destes as moléstias e eram expulsos os espíritos malignos”. (At 19,11s)
Os fiéis estimavam e guardavam tais objetos com profunda veneração. O Evangelho de São Mateus conta o caso daquela mulher hemorroísa que foi curada tocando o manto de Cristo:
“Eis que uma mulher que, havia doze anos, sofria de um fluxo de sangue, se aproximou dele por trás e Lhe tocou a orla do manto. Dizia consigo: “Se eu tocar ainda que seja apenas as suas vestes, serei curada”. Jesus voltou-se então e, vendo-a, lhe disse: “Tem confiança, minha filha, a tua fé te salvou”. (Mt 9,20ss)
Nas comunidades visitadas ou catequizadas por São Pedro, São Paulo, São João ou fiéis guardavam tudo que lhes pudesse lembrá-los (suas cartas e os seus despojos mortais, os objetos de uso). Os cristãos eram estimulados a este costume ao lerem o elogio do Senhor a Maria de Betânia, quando ela ungiu o Seu corpo pouco antes de sua morte:
“Ela me fez uma obra; …embalsamou antecipadamente o meu corpo para a sepultura. Em verdade vos digo: onde quer que for pregado no mundo este Evangelho, será narrado o que ela acaba de fazer para se conservar a lembrança dessa mulher” (Mc 14,6-9; Mt 26, 9-12; Jo 12,7).
A Tradição da Igreja, desde os primeiros séculos, conservou e venerou as relíquias como símbolos dos santos mártires e confessores chamados à Casa do Pai. Algumas relíquias que se referem a Cristo são conhecidas e veneradas desde o século IV; outras foram trazidas para o Ocidente pelos Cruzados no século XII (muitas sem documentação sólida). Podemos considerar algumas com um certo fundamento.
A Cruz de Cristo - Segundo São Cirilo de Jerusalém, em 348 havia ali um grande fragmento da Santa Cruz, como atesta ele em suas Catequeses Batismais (4, 10; 10, 19; 13, 4):
“Até a presente data pode ser visto entre nós… mas, em virtude dos extratos que a fé multiplicou, foi distribuído em pequenos fragmentos por toda a terra”.
Pode-se acreditar que Santa Helena, mãe do Imperador Constantino, no século IV, após pesquisas na Terra Santa, encontrou a Cruz de Cristo e depositou um pedaço relativamente grande da Cruz em seu palácio “Sessorianum”, que veio a ser posteriormente a basílica da Santa Cruz em Roma.
A Escada Santa ou escada do palácio de Pilatos em Jerusalém, segundo a tradição, acha-se perto da basílica de São João do Latrão, em Roma.
O Santo Sudário de Turim, que revestiu o corpo de Cristo é certamente a relíquia mais importante da Paixão do Senhor, e tem sido estudado pelos cientistas. Cada vez mais vai ficando provada a sua autenticidade.
O Presépio de Jesus em Belém era conhecido pelos cristãos do século III, como testemunha Orígenes († 250) (Contra Celsum 1.31). A partir do século VII só existem fragmentos, dos quais os mais notáveis são os da basílica de Santa Maria Maior em Roma.
A Casa Santa da Sagrada Familia, tida como transferida pelos anjos de Nazaré para Loreto (Itália), em 1298, é outra relíquia valiosa que é estudada; pode ser que os cruzados a tenham trazido da Terra Santa em barcos.
O Véu de Verônica é outra relíquia estimada pelo povo cristão, que segundo uma tradição, está no santuário do Santo Rosto de Monoppello, na Itália. O Papa Bento XVI foi o primeiro Papa a visitar este santuário, onde estaria o véu com que uma mulher, Verônica teria enxugado o rosto de Cristo. (Zenit.org, Vaticano, 31 ago 06)
O Sangue de São Januário (S. Gennaro) - que foi bispo e mártir e cuja memória litúrgica é no dia 19 de setembro, é outra relíquia impressionante. Ele derramou o seu sangue por Cristo no início do século IV. Era bispo de Benevento, sofreu o martírio no ano 305 em Nápoles, junto com os seus companheiros, durante a perseguição do imperador romano Diocleciano. Foi condenado às feras do anfiteatro de Pozzuoli, juntamente com os companheiros de fé. Por causa do atraso de um juiz, teria sido decapitado e não dado como alimento às feras.
O grande São Jerônimo concebia a defesa do culto das relíquias. Os autores posteriores, tanto medievais como modernos, só confirmaram e desenvolveram as idéias do S. Doutor. S. Tomás de Aquino (†1274), por exemplo, assim escreveu:
“É evidente que devemos venerar os Santos de Deus como membros de Cristo, filhos e amigos de Deus e intercessores nossos. Por isto havemos de venerar as suas relíquias em memória deles; principalmente há de ser venerados os seus corpos, templos e órgãos do Espírito Santo, que os habitava e por esses corpos agia; aliás, serão configurados ao Corpo de Cristo pela ressurreição gloriosa. Por isto também o próprio Deus honra tais relíquias realizando milagres em presença das mesmas” (Suma Teológica III, qu. 25, art. 6).
Está claro que o culto das relíquias não visa objetos materiais como tais; toda a veneração a estes prestada é relativa; ela se refere, sim, aos santos e, em última análise, ao Senhor Jesus, fonte de toda a santidade.