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terça-feira, 17 de agosto de 2010

POR QUE A TOCA DE ASSIS ATRAI TANTOS JOVENS?

POR QUE A TOCA DE ASSIS ATRAI TANTOS JOVENS?
“Amigo, aceita um lanche?”. Essa é a frase que inicia tudo. Para muitos o lanhe oferecido pelos toqueiros, nome que se dá aos consagrados e leigos da Toca de Assis, é a primeira e única refeição do dia. Com um brilho no olhar, os moradores de rua mordem o pão com salsicha e bebem o copo de suco com voracidade. Mas, o lanche é apenas uma ponte para a aproximação. O interesse desses jovens, que trocam a balada de sexta-feira à noite por um trabalho de assistência aos mais necessitados, é dar atenção àqueles que, no dia-a-dia são tratados como resíduos da sociedade.
Na maioria das vezes esses flagelados pela vida querem apenas ser escutados e nada mais. Em Belo Horizonte, as religiosas, Filhas da Pobreza do Santíssimo Sacramento, se encontram com outros irmãos consagrados e leigos. O ponto de partida é a rua dos Carijós, esquina com Curitiba, coração nervoso do hiper centro da capital mineira. Depois de fazer uma oração eles se dividem em equipes e cada uma vai para uma região. Assim que começam a jornada, os jovens distribuem lanches que são frutos de doações de pessoas que admiram o trabalho da Toca de Assis.
Em meio a papelões, plásticos e cobertores velhos eles encontram pessoas que, por ironia do destino, estão abandonadas, vivendo em condições sub-humanas e sem dignidade, dormindo ao relento.
Os toqueiros chamam cada morador de rua pelo nome. Aqueles que para a sociedade são vistos como “vagabundos”, para eles são seres humanos, resultado de uma sociedade desigual. “Nós temos essa proximidade com os irmãos de rua, que trazem um pouco da realidade de São Francisco de Assis em relação aos leprosos, que ficavam abandonados na época dele. No nosso tempo, quem são os leprosos? São os nossos irmãos abandonados, excluídos. Temos um carisma, recebemos o dom de Deus para irmos até eles, cuidar deles na rua”, disse irmã Dara Maria Sacrifício do Cordeiro, ministra regional, responsável pelas casas fraternas da região.Depois de oferecer o lanche, o contato começa.
E para aqueles, que são considerados “indigentes”, ouvidos estão prontos para escutar, mãos estão prontas para acolher e o carinho é algo que, em momento algum, os toqueiros deixam faltar. Tanta dedicação assim comove aos moradores de rua que, felizes por tanta dedicação, se abrem como se fossem amigos de longa data e contam tudo, falam sobre a vida, o que fazem, como foram parar nas ruas. E esses jovens, bem atenciosos, aconselham, procuram encaminhar para locais onde possam ser atendidos e quando a vulnerabilidade é muito grande, os toqueiros os levam para casa até que possam ser reinseridos na sociedade ou ali sejam cuidados até a morte, no caso dos mais idosos e debilitados.
As irmãs toqueiras que acompanhamos são meninas bem jovens, entre 21 e 28 anos. A casa em que vivem fica no bairro Santa Tereza, região Leste de Belo Horizonte, uma moradia simples, quase sem mobílias, nem mesmo camas para elas dormirem. As camas existentes ficam para as mulheres que são assistidas, ex-moradoras de rua. As religiosas dormem no chão, em colchões espalhados pelo capelão, que consome a maior parte da casa. Tanta abdicação faz parte do carisma desse movimento, que se baseia na pobreza de São Francisco.“Nós nos inspiramos em São Francisco, que abdicou de tudo para viver para os pobres. Mas precisamos tomar cuidado, pois muitos jovens mergulham em um radicalismo que não propomos. Temos que entender o que é o carisma, um dom dado por Deus e que move o homem para Ele.
O objetivo da Toca é viver esse carisma”, explica padre Rogério de Andrade Penha, o irmão Rafael, nome que recebeu de consagrado, e que faz menção ao arcanjo da cura. Irmão Rafael, no momento, responde interinamente pela Toca, enquanto irmão Gabriel, que está à frente da instituição, encontra-se em férias missionárias. Irmão Gabriel assumiu a função de ministro geral desde que o fundador encontra-se em retiro sabático, em Israel.
A Toca de Assis é um movimento religioso que surgiu em 13 de maio de 1994, iniciado pelo padre Roberto Lettieri, quando ainda era seminarista. Juntamente com três jovens, que também desejavam viver o carisma franciscano. Juntos eles fundaram a Fraternidade de Aliança Toca de Assis. Irmão Rafael, que era um desses jovens, na época cursava filosofia e se preparava para o sacerdócio, mas o amor aos irmãos mais pobres falou mais alto. Situação que o fez abandonar a faculdade de filosofia, depois de ter cursado um ano.
“A Toca é uma entidade laical, não forma padres. Quando começamos esse trabalho eu queria entrar para o seminário, mas a vontade de estar com os pobres era tão grande que atendi a esse chamado. Em 1997 tranquei o curso de filosofia para me dedicar a Toca, mas, em 2002, voltei pois percebi que o carisma não podia aniquilar minha vocação, que é o ministério sacerdotal”, conta irmão Rafael que, em março de 2009, se tornou diácono e, no mês de outubro do mesmo ano foi ordenado sacerdote pela Diocese de Campinas (SP).
Dois anos após a fundação, a Toca já contava com a ajuda de 80 jovens, que prestavam atendimento aos moradores de rua em todo o Brasil. Desde então, o movimento tem atraído cada vez mais a juventude, que sempre se apresenta com firmeza, dedicação e um belo sorriso estampado no rosto. Irmão Rafael explica que os três pilares que sustentam a Toca são: a exaltação à Igreja católica na adoração ao Santíssimo Sacramento, o cuidado com os sofredores de rua e o anúncio do Evangelho através da vida missionária. “O objetivo da Toca é incentivar essa adoração, essa fé em Cristo presente no Santíssimo Sacramento, algo que foi se perdendo com o tempo até se tornar uma simples devoção. Procuramos restaurar esse sentido e também resgatar a imagem do Cristo escondida em nossos irmãos mais pobres”.
Mas, será que tanta abdicação não pode fazer com que esses jovens se arrependam de terem deixado de viver etapas que são importantes na vida do ser humano? Irmã Galdete entrou para a Toca aos 17 anos. Natural de São Paulo, assim que concluiu o ensino médio se sentiu atraída por esse trabalho junto aos pobres. “Hoje me sinto realizada como pessoa, como mulher, como consagrada. Identifico-me muito com o trabalho que desenvolvo”, diz.
Já irmã Dara conheceu a Toca aos 19 anos. Concluiu o ensino médio, fez cursinho e prestou vestibular. Mas, em seu íntimo, sentia um chamado a viver junto aos pobres, foi quando decidiu abraçar a vida de uma Filha da Pobreza. “O carisma de adoração, o amor e cuidado com os pobres me atraíram muito. Ao entrar no Instituto essa vivência tocou meu coração e é algo que me completa. Temos algumas dificuldades de vida, que são reais em qualquer situação em que estejamos, mas isso é próprio de uma vocação, daquilo que Deus realmente promete aqueles que deixam tudo” afirma.
Irmão Rafael conta que antes dos jovens entrarem para a congregação existe uma série de procedimentos para que possam constatar se realmente essa é a vocação deles. Segundo ele, existe um grande volume de jovens querendo abraçar a causa, algo que julga não ser positivo. “Às vezes o crescimento não é bom, dá mais trabalho selecionar para purificar. Tem jovens que vêm passam um dia, outros cinco anos, outros vem e vão. Já fizemos retiros vocacionais com 90 jovens, em que ficaram apenas 15”. Para assistir mais de perto cada vocacionado e ver se ele realmente tem dentro de si o carisma da Toca existe um procedimento avaliativo que não era seguido antes. “Há alguns anos cada responsável local acompanhava o vocacionado. Agora eles passam por um aprofundamento no catecismo da Igreja, algumas fazem literaturas na área de conhecimento humano, para se conhecerem e saber qual é a sua vocação. A intenção da Toca é sempre apresentar uma vida em Deus. Às vezes a pessoa não tem vocação para ser um consagrado, mas tem para viver outro ideal, sem deixar o carisma”, diz irmão Rafael.
Segundo ele, a maioria das pessoas que querem entrar para a Toca é de classe média. Nos dias atuais não dá para levar uma vida cristã tão radicalmente, assim como São Francisco levava no século XII. Algumas adaptações tiveram que ser feitas para o tempo de hoje, mas, de acordo com irmão Rafael, sem perder a essência do carisma. “Percebemos que os jovens criam um paradigma que não é a realidade cristã. Muitos chegam aqui procurando viver uma radicalidade que nós não oferecemos. Se pegarmos um morador de rua e levá-lo para um hospital no estado em que o encontramos, com mal cheiro, mal vestido, ninguém vai querer cuidar bem dele. Primeiramente vamos cuidar dele em casa e depois levá-lo para ser tratado. Alguns jovens querem que olhemos para aquele homem daquele jeito, que os médicos o acolham na situação em que ele se encontra. Procuramos trabalhar essa rebeldia. A visão de humanização é como tecer em fios de ouro, tem que ir devagar para que saia uma estampa bonita. A adaptação com a modernidade é algo que tem frustrado alguns jovens. Mas, procuramos mostrar que homem que não cuida de si não tem como cuidar do outro”.[...]
Desde o ano passado o fundador da Toca de Assis, padre Roberto Lettieri, se encontra em retiro sabático, em Israel. De acordo com informações passadas pela Toca de Assis, o próprio fundador escolheu tirar esse período por tempo indeterminado, para repousar e refletir um pouco sobre o trabalho desenvolvido. Com essa decisão, a Arquidiocese de Campinas, sob responsabilidade de dom Bruno Gamberini, assumiu o trabalho da Toca de Assis. Atualmente irmão Gabriel foi escolhido para estar a frente da Fraternidade, com o auxílio dos bispos eméritos dom Albano Cavallin, arcebispo emérito de Londrina (PR) e dom Rafael Cifuentes, bispo emérito de Nova Friburgo (RJ). “Nós bispos acreditamos muito no carisma da Toca de Assis, a grande devoção a Cristo na Eucaristia, um amor realista ao pobre mais pobre e uma intercessão perene para os sacerdotes e as pessoas consagradas. Conhecemos e vivemos agora com eles e estamos dando uma dimensão nova para a Toca”, disse dom Albano.
Segundo o arcebispo, a grande meta da Arquidiocese de Campinas é tornar a Toca sempre mais uma entidade eclesial. “Encontramos uma docilidade grande da parte dos jovens que, no sofrimento, acreditaram que a mãe Igreja está perto deles e Deus está conduzindo-os a uma maturidade”, diz. Segundo dom Albano, está previsto para os meados de outubro deste ano a assembléia anual da Fraternidade. O bispo conta que reuniões periódicas já estão acontecendo para reavaliar alguns pontos, como a formação dos consagrados, que hoje é feita de maneira independente, o hábito, e a rotina dos consagrados. “Estamos nos reunindo e trabalhando junto com os guardiões das casas e dirigentes da Fraternidade e refletindo sobre a importância de uma atualização em quesitos do carisma.”, afirma.
Fonte: Jornal de Opinião – Ed. 1078Arquidiocese de Belo Horizonte/MG