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quarta-feira, 4 de maio de 2011

O último dia de João Paulo II


"Fui chamada no final da manhã. Corri, pois tinha medo de não chegar a tempo. No entanto, ele me esperava. 'Bom dia, Santidade, hoje faz sol', disse-lhe em seguida, porque era a notícia que o alegrava no hospital."



Esta é a lembrança de Ritia Megliorin, ex-enfermeira chefe do serviço de reanimação na Policlínica Gemelli, na manhã de 2 de abril, quando foi chamada ao apartamento pontifício, à cabeceira de João Paulo II, o Papa agonizante.



"Não achei que ele fosse me reconhecer. Ele me olhou. Não com esse olhar inquisitivo que usava para entender imediatamente como estava sua saúde. Era um olhar doce, que me comoveu", acrescenta a mulher.



"Senti a necessidade de apoiar a cabeça em suas mãos; permiti-me o luxo de receber seu último carinho, com suas mãos pousando sobre o meu rosto, enquanto ele olhava fixamente para o quadro do Cristo sofredor que estava pendurado na parede na frente da sua cama."



Enquanto isso, ouvindo da Praça, os cantos, orações, as aclamações dos jovens, que se tornavam cada vez mais fortes, a mulher perguntou ao cardeal Dziwisz se estas vozes não estariam incomodando o Papa. "Mas ele, levando-me até a janela, disse-me: 'Rita, estes são os filhos que vieram se despedir do seu pai'."



Eles se conheceram em janeiro de 2005, quando as condições de saúde de Wojtyla tinham se agravado. Megliorin explica que, naqueles dias de começo de ano, chegando ao hospital para começar o trabalho e sem saber que o Papa tinha sido internado, foi-lhe dito que se apressasse, que fosse até o 10° andar, porque lá estava "um hóspede especial".



"Imaginem - diz a mulher - um lugar onde não existe o espaço e onde não existe o tempo, e imaginem somente muita luz." Foi esta luz que acompanhou os dias do Pontífice.



"Naqueles meses, toda manhã, eu entrava no seu quarto e o encontrava já acordado, porque ele rezava desde as 3h. Eu abria as persianas e, dirigindo-me a ele, dizia: 'Bom dia, Santidade, hoje faz sol'. Aproximava-me e ele me abençoava. Eu me ajoelhava e ele acariciava o meu rosto."



Este era o ritual que dava início aos dias de Wojtyla. "No demais, eu era uma enfermeira inflexível e ele era enfermo inflexível. Queria estar a par de tudo, da doença, da sua gravidade. Quando não entendia, olhava para mim como pedindo que lhe explicasse melhor."



"Ele nunca deixou de estudar os problemas do homem. Lembro-me dos livros de genética, por exemplo, que ele consultava e estudava com atenção, inclusive naquelas condições." Isso refletia o seu não querer se render, esse querer viver a graça da vida recebida: "Cada dia, dizíamos um ao outro que 'todo problema tem solução'".



E o Papa dizia isso também e sobretudo às pessoas com quem se encontrava, por quem sentia um amor de pai. "E como todo pai, sentia uma predileção pelos mais fracos. Por exemplo, na Jornada Mundial da Juventude de Tor Vergata, em Roma, ele cumprimentou os jovens que estavam no fundo, pensando que provavelmente não tinham conseguido vê-lo direito. Também no hospital, ele se dedicava aos mais humildes e não tanto aos grandes professores; perguntava-lhes por suas famílias, se tinham crianças em casa."



Recordando, no entanto, as últimas internações, a enfermeira acrescentou: "O Papa viveu os momentos talvez mais difíceis na Policlínica", mas "assistir os doentes é um dom, pelo menos para quem acredita em Deus. E contudo, também para quem não tem fé, é uma experiência única".



Para quem compreende plenamente o sentido do que Megliorin entende, tornam-se estridentes as perguntas de tantos jornalistas, reunidos na Universidade Pontifícia da Santa Cruz para escutar, em um encontro com a mídia, o testemunho da enfermeira.



Alguns se perguntam se um filme sobre a vida de Wojtyla corresponde à verdade, sobretudo o fragmento no qual o filme conta que o Papa teve espasmos no momento da sua morte. Perguntas extravagantes, às vezes inoportunas, se não fossem de gosto duvidoso. De fato, a enfermeira pergunta quantas pessoas da sala assistiram à perda de um progenitor nos próprios braços: "Não posso responder - explica a contragosto. Quem não viveu isso não pode entender".



Então, "a morte foi um alívio?", insiste outro. "A morte nunca é um alívio - replica a mulher. Como enfermeira, posso dizer somente que existe um limite no tratamento, para além do qual esta se converte em um tratamento médico agressivo." A curiosidade por saber se Wojtyla se engasgava ou não, se tinha força para comer, beber ou respirar, tudo isso é uma violação da intimidade de um corpo, da sacralidade de uma vida. Seu pensamento volta às palavras de Wojtyla que, no entanto, "restituiu a dignidade ao enfermo", recorda Megliorin.


 

Na carta apostólica 'Salvifici doloris', de 1984, João Paulo II escreve que a dor "é um tema universal que acompanha o homem em todos os graus da longitude e latitude geográfica, ou seja, que coexiste com ele no mundo". Também escreve que "o sofrimento parece pertencer à transcendência do homem: é um desses pontos nos quais o homem parece, de certa forma, 'destinado' a superar a si mesmo e chega a isso de maneira misteriosa".



João Paulo II, "no último momento da sua vida terrena - conclui Rita Megliorin -, resgatou a sua cruz, encarregando-se não somente da sua, mas também das de todos os que sofrem. Fez isso com a alegria que nasce da esperança de acreditar em um amanhã melhor. Acho, inclusive, que ele tinha a esperança de um hoje melhor".



Fonte: ZENIT (Agência Internacional Católica de Notícia)